Pense na trilha sonora daquela novela, série ou filme romântico que você assistiu. Relacionamentos dinâmicos, repletos de brigas, beijos, trocas de afeto, encontros e desencontros: muitas reviravoltas e, finalmente, o “felizes para sempre”. Mas espera um pouco, nem sempre isso acontece na vida real!
O desenvolvimento de um modelo de um apego seguro, que deveria ocorrer durante a infância, é fundamental para que se experimente relações saudáveis ao longo da vida adulta. Todavia, relacionamentos equilibrados parecem ser algo distante para muitas pessoas, que a partir de um modelo de apego inseguro acabam pulando de um relacionamento problemático para outro.
Se você chegou até aqui e está confuso sobre o que seria apego seguro e inseguro, confira o nosso texto sobre a Teoria do Apego. Lá, você vai entender o que são padrões de apego e com eles se desenvolvem durante a infância.
Continuando… A maneira como cada pessoa se apega e interage com seu par, dentro de um relacionamento afetivo, é reflexo direto da sua história individual, especialmente do que foi construído na infância. Assim, é a partir da conexão com sua criança interior, que muitas vezes não recebeu a devida atenção de seus cuidadores ou teve dificuldade de sinalizar aos mesmos suas necessidades, que o indivíduo desenvolve um padrão de apego que o acompanhará na vida adulta (Dalbem e Dalbosco, 2007).
Vejamos agora quais são esses padrões, segundo o psicanalista britânico John Bowlby:
Apego Seguro
O apego seguro é formado quando os cuidadores transmitem confiança e estão prontos para atender as necessidades da criança. Ao ser amada, valorizada e ter seus sentimentos validados, a criança desenvolve segurança para vivenciar (de maneira saudável) emoções diversas – inclusive as emoções que desagradáveis.
O adulto, cuja criança adquiriu um padrão de apego seguro, terá mais recursos para desenvolver uma visão assertiva sobre si e sobre sua infância. Dessa forma, consegue comunicar e expressar suas emoções e pensamentos ao(a) parceiro(a), mantendo espaço para que o outro também o faça.
Esse adulto, quando diante dos conflitos aos quais toda relação está sujeita, tende a apresentar uma postura acolhedora e agredadora. Assim, mantem um ambiente afetivo de equilíbrio entre as suas necessidades e as do outro. Para maioria das pessoas, isso parece uma utopia, não é mesmo?
Apego Inseguro Evitativo
O apego inseguro ou esquivo é formado quando a criança é exposta a um estilo parental marcado pela rigidez. Nesse ambiente, os cuidadores apresentam uma postura de distanciamento emocional o que leva a criança a ter dificuldades de conectar-se a eles. Com isso, a criança passa experimentar um ambiente afetivo no qual suas necessidades são parcialmente atendidas.
O adulto que desenvolve esse tipo de apego pode aparentar ser frio e egoísta em suas relações. Por vezes, se considera autossuficiente ou independente, aparentando não ter necessidades que possam ser supridas por seus pares. Inclusive, não é incomum que este indivíduo sinta-se desconfortável quando o(a) parceiro(a) oferece algum tipo de ajuda ou tenta aproximar-se afetivamente, por meio de alguma situação. Com isso, ficam prejudicadas as trocas colaborativas tão necessárias para uma relação saudável.
O ponto mais marcante no padrão evitativo é a dificuldade de vivenciar a intimidade afetiva com o outro. Com isso, mesmo dentro das relações, há considerável resistência na formação e aprofundamento de vínculos. Como consequência disso, as relações (ainda que longas) são atravessadas por uma marca de superficialidade. Na prática, o indivíduo com padrão de apego evitativo vai esquivar-se até mesmo de entrar em conflitos simples, visto que tais situações também contribuem para o aprofundamento das relações. Entretanto, sendo o conflito inevitável, tende a se comportar de maneira defensiva em relação ao companheiro(a).
Esse tipo demonstra forte resistência em admitir suas reais emoções. Para ele(a), se permitir receber afeto e cuidado é algo extremamente desafiador. Por conta disso, em sua trajetória, acaba por enfatizar conquistas pessoais e sua autoimagem em detrimento do papel do outro.
Apego Inseguro Ansioso
A criança que desenvolve esse tipo de apego pode se tornar um adulto que busca constante por aprovação e validação. Ele(a) tem medo da rejeição e do abandono. Há, também o receio de comunicar seus sentimentos, mesmo quando necessário, por temer ferir ou desestimular o outro. Sabe aquele parceiro: “exagerado, jogado aos teus pés, eu sou mesmo exagerado, adoro um amor inventado…” (retratado por Cazuza), pois é: podemos estar diante de um padrão de apego ansioso!
Esse parceiro é sensível as necessidades das pessoas ao seu redor, enquanto (não raramente) acaba por negligenciar suas próprias, abrindo mão de seus interesses em favor do outro. Talvez, a emoção que melhor o retrate dentro de um relacionamento seja o medo. Teme de perder o amor da parceira(o) e acabar sozinho(a) formando, em muitos casos, um vínculo fantasioso que serve como refúgio contra o abandono.
Essa combinação desagradável, de medo e dificuldade de compreender de onde vem esse temor, pode ser a raiz de muitas angústias, ansiedades ou estresses vivenciados por essas pessoas.
Finalmente, as pessoas que tem o padrão de apego ansioso podem sentir, constantemente, a impressão de que suas necessidades não estão sendo supridas pelo outro. Assim, acabam por desenvolver uma equivocada impressão de que seu(a) parceiro(a) não está comprometido com a relação, o que geralmente manifesta-se na forma de excessivos ciúmes ou intensa cobrança por atenção, carinho e tempo. Além disso, é comum que essas pessoas tendam a ter inúmeras dúvidas relativas ao seu valor enquanto indivíduos – baixa autoestima.
Apego Inseguro Desorganizado
A categoria de apego adulto desorganizado ou desorientado está relacionada a relatos com sinais graves de desorientação e desorganização, principalmente quando os adultos são questionados sobre eventos traumáticos ou perdas importantes (Cortina & Marrone, 2003).
Nesse padrão de apego, o cuidador representa alguma ameaça para criança e por esse motivo a mesma vive um impasse entre o querer e o rejeitar. Logo, ´provável que o adulto que tem o padrão de apego desorganizado acabe por desenvolver uma autoimagem negativa, que materializa-se na forma de comportamentos imprevisíveis e dificuldade em lidar tanto com as suas emoções quanto com as do(a) parceiro(a).
Além disso, parece haver alguma inclinação para o desenvolvimento de comportamentos autodestrutivos, como por exemplo o uso abusivo de substâncias químicas. Também são frequentes comportamentos agressivos, física ou psicologicamente, e severa dificuldade de confiar em outras pessoas.
Esse padrão de apego nos faz lembrar de um tipo de violência psicológica conhecido como Gaslighting, uma prática que se constitui em convencer a vítima de que ela está agindo de forma insana, em diferentes ocasiões (Souza, 2017). Caso deseje saber mais sobre o assunto, ouça o nosso podcast:
É possível mudar um padrão de apego?
”Não posso mudar o passado, mas posso começar mudando a mim mesma“, cita a autora best-seller Alice Monroe. Isso mesmo, temos um “super poder”: o de mudar a nós mesmos, a partir do modo como enxergamos tudo o que nos aconteceu – enquanto nos tornamos conscientes de que é possível redimensionar o nosso processo.
A auto-reflexão, como recurso para entender como nos comportamos dentro dos nossos relacionamentos, é um exercício inicial válido para trazer consciência a respeito do nosso padrão de apego. Perguntas como: “o que eu sinto quando estou com meu parceiro(a)?“; “como eu me relaciono comigo mesmo?“; e “algum aspecto do meu parceiro(a) me causa inquietação?” podem fornecer boas pistas. Já a psicoterapia serve para nos ajudar a elaborar essa situação que parece ter muito mais perguntas do que respostas.
A comunicação oral com o parceiro(a) é sempre importante, mas nem sempre fácil. Nesse sentido, podem ser utilizados outros recursos que facilitem a comunicação, como por exemplo: cartas, desenhos ou quaisquer outras produções.
Outro recurso que pode ser útil, é a prática do mindfulness – que você também encontra, de maneira breve, em nosso podcast. Essa prática pode te ajudar naqueles momentos em que você está sendo arrastado por pensamentos negativos e pessimistas, em relação a si ou ao seu parceiro(a) (Williams e Penman 2015).
Finalmente, a busca por ajuda profissional é sempre indicada. Isso mesmo, existem profissionais psicólogos(as) que podem te ajudar. A terapia individual e também a terapia de casais podem ser úteis no processo de reconhecimento de si e do outro. Viver uma vida de mais leveza e de relacionamentos saudáveis é sim possível.
Referências
CORTINA, M. & MARRONE, M. Attachment theory and the psychoanalytic process. London: Whurr
Publishers, 2003.
DALBEM, Juliana Xavier; DALBOSCO, Débora Dell’Aglio. Teoria do apego: bases conceituais e desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arquivos Brasileiros de Psicologia, vol. 57, núm. 1, p. 12-24. Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil, 2005.
GOMES, Adriana de Albuquerque. A teoria do apego no contexto da produção científica contemporânea. 2011. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, 2011. Disponível em: link
SOUZA, Cristina Pereira. Gaslighting: “Você está ficando louca?” As Relações Afetivas e a Construção das Relações de Gênero. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Instituto de Psicologia. Porto Alegre – RS, 2017.
WILLIAMS, Mark. PENMAN, Danny. Atenção plena, Mindfulness, como encontrar a paz em um mundo frenético. tradução de Ivo Korytowski; Rio de Janeiro: ed. Sextante, 2015.